Filipe Carvalho: “Portugal tem margem para formar excelentes empreendedores”
A Wide Scope é uma tecnológica 100% portuguesa, que tem obtido reconhecimento como empresa de crescimento acelerado. O Portuguese Entrepreneurs entrevistou Filipe Carvalho, co-fundador e CEO da empresa, que defende que é necessário mudar o discurso sobre os empreendedores, porque mais do que trabalhar “24 horas” por dia, uma estratégia bem desenhada e executada é o caminho para o sucesso.
Está a dar nas vistas no panorama mundial. A Wide Scope apresenta soluções inspiradas na matemática aplicada e na inteligência artificial. Nasceu em 2003 no meio académico, na Faculdade de Ciências de Lisboa, e destacou-se por ter desenvolvido o Routyn, um sistema de otimização de rotas de veículos, que foi reconhecido pela consultora norte-americana Gartner como único e inovador. Filipe Carvalho, CEO da Wide Scope, considera que não existem receitas para vencer, mas acredita que é fundamental encontrar vantagens competitivas face à concorrência.
A Wide Scope foi distinguida pela Dun & Bradstreet como uma das dez empresas com crescimento mais rápido em Portugal e no ranking da Deloitte como uma das 500 empresas do setor que mais cresceram nos últimos cinco anos na Europa, Médio Oriente e África. Como chegar ao sucesso partindo do zero?
Penso que não existe uma fórmula que possa ser aplicada para levar qualquer projecto ao sucesso partindo do zero. Isso seria o Santo Graal da gestão. Mas no caso da Wide Scope apostámos numa estratégia baseada na diferenciação dos produtos. Ou seja, procurámos ocupar um lugar no mercado para uma necessidade real das empresas de transporte em reduzirem os seus custos operativos e criámos uma solução distinta de todas as outras existentes no mercado. Distinta no sentido de satisfazer mais necessidades e melhor. E não necessariamente mais barata que as suas concorrentes.
Considera que a inovação é essencial e imprescindível para uma empresa crescer?
Para uma empresa crescer pode bastar que o sector de actividade onde está inserida cresça também. Por exemplo, se eu vender gasolina e a utilização de carros disparar, arrastando consigo o consumo de combustível, o sector onde estou inserido cresce necessariamente e é natural que a minha empresa cresça. E para isso nem preciso inovar.
A real questão é se uma empresa consegue superar a sua concorrência sem inovação. Para o fazer a empresa terá de fazer algo melhor do que os seus concorrentes ora através da prática de preços mais baixos, ora através de um produto distinto e/ou melhor. Em qualquer vertente penso que terá de encontrar formas de atingir uma vantagem competitiva, de ser diferente da concorrência. Acredito que o melhor veículo para a diferenciação seja a inovação.
Criar produtos com o objetivo de reduzir custos das empresas com a otimização de rotas de veículos, é o ponto forte da Wide Scope. Para além do Routyn, planeiam outros projetos nesta área? E quais são as outras áreas de atuação da empresa?
Apesar da Wide Scope ter sido criada com um âmbito mais lato de aplicação do que o sector do transporte, em representação da abrangência transversal da matemática (daí o termo anglófono “Wide Scope” = “Âmbito Alargado”), o produto Routyn revelou uma adopção muito grande pelo mercado o que nos levou a focar todos os nossos esforços e atenção nessa indústria. Acreditamos que para se ser verdadeiramente excelente e único a nível mundial num sector de actividade devemos canalizar todos os nossos esforços nesse sentido e não permitir a sua dispersão.
Neste momento pretendemos continuar a fazer crescer a área de aplicação do Routyn mas sempre dentro dos temas relacionados com “Supply-Chains”.
Quanto tempo é que demorou até que a Wide Scope conseguisse retorno financeiro?
Após um primeiro ano nulo a Wide Scope obteve retorno financeiro logo no segundo ano e tem sido sempre rentável em todos os anos desde então.
Como é que está a decorrer o processo de internacionalização da empresa?
Demorámos algum tempo a desenhar esse processo, em colaboração com uma consultora internacional especializada no tema, e estamos a segui-lo dentro do planeado. Neste momento o Routyn tem presença física em Sydney (Austrália), Ancara (Turquia), Singapura, Chennai (India), Tianjin (China), Lyon (França) e Londres (Inglaterra), e já conta com os primeiros clientes obtidos através das estruturas estabelecidas nestes territórios.
Neste momento estamos a trabalhar na abertura do próximo território, que será o último até 2017, mantendo assim o equilíbrio no ritmo de expansão que preconizámos desde 2015.
Conte-nos a sua trajetória até chegar à liderança da Wide Scope. Quais os principais desafios que encontrou pelo caminho? E que dificuldades enfrenta atualmente?
Eu e a Ana Sofia Pereira fundámos a Wide Scope em 2003 imediatamente a seguir a terminarmos os nossos estudos. Os principais desafios foram precisamente com a condução e estabelecimento da empresa ultrapassando as limitações próprias de quem não tinha experiência empresarial ou de gestão.
Atualmente as principais dificuldades estão na adaptação a uma cultura e um ritmo de internacionalização diferente do que levou a empresa ao crescimento sustentado inicial. Enquanto inicialmente abordávamos um cliente directamente e resolvíamos os seus problemas com uma grande proximidade da nossa equipa técnica, com o modelo de internacionalização passamos a operar com uma equipa adicional (a local) entre o cliente e a nossa equipa técnica, quebrando a interacção directa.
É mestre em Investigação Operacional. Em que consiste esta área de estudos e que universidade frequentou?
A Investigação Operacional, também conhecida como Management Science ou Operations Research, é um ramo da matemática aplicada à gestão. Consiste no desenho de modelos matemáticos que resolvem um problema de elevada complexidade cuja resposta não pode ser obtida pela simples manipulação da informação disponível. Por exemplo, dada a posição de um carro e de 100 locais a visitar, determinar a rota mais curta que percorra todos os clientes e regresse ao mesmo local.
Estudei licenciatura e mestrado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no Departamento de Estatística e Investigação Operacional.
Que papel desempenham as áreas da matemática, inteligência artificial e tecnologias da informação no empreendedorismo?
Vemos muitos projectos de empreendedorismo baseados em tecnologias de informação, poucos em inteligência artificial e menos ainda em matemática. A Wide Scope reune os três, com forte ênfase na aplicação da matemática ao serviço da resolução de problemas para os quais não era ainda conhecida uma resposta adequada.
É minha convicção que a exploração da intersecção de vários domínios conduz a novos processos e produtos, conduz àquilo que é conhecido como inovação de intersecção, por oposição à inovação linear em que um produto ou serviço é evoluído em continuidade. A inovação de intersecção abre muitas vezes novas categorias de produto, coisas que nunca foram feitas antes.
A Wide Scope propõe-se fazer a ligação entre o mundo académico e o mundo empresarial. De que modo se tem operacionalizado essa ponte? E qual é o papel que as universidades devem desempenhar nas áreas ligadas ao empreendedorismo?
A Wide Scope tem um papel activo junto da comunidade académica que se verifica através da participação em conferências científicas, colaboração em projectos de investigação em consórcio ou até co-orientação de teses de mestrado.
A Wide Scope absorve muito conhecimento do mundo académico através de artigos e publicações científicas. E sente a responsabilidade de devolver à comunidade académica a sua experiência com a aplicação na prática desses conhecimentos, bem como a partilha dos novos desafios que encontrou. Penso que é fundamental estabelecer este equilíbrio, esta simbiose, entre as empresas inovadoras e a comunidade científica académica.
Dizer que se faz inovação sem devolver nada à comunidade académica e – muitas vezes – sem sequer absorver nada é duvidoso. Se é inovador deve submeter-se à validação pelos seus pares.
Creio que as universidades são óptimos geradores de projectos empreendedores e que é no seu seio que se pode combinar talento, conhecimento, visão e propensão ao risco. Estes são ingredientes comuns em projectos de empreendedorismo.
Penso também que as universidades e o sistema científico em geral podem desempenhar um papel mais focado no apoio à inovação nas empresas, mas não necessariamente sob todas as formas que se têm verificado.
Há margem em Portugal para ser um bom empreendedor? Quais os melhores conselhos para um jovem empreendedor? Existem segredos para vencer?
Portugal tem margem para formar excelentes empreendedores. Pela nossa experiência, Portugal tem-se revelado um excelente mercado de incubação que nos prepara para outros mercados maiores e mais competitivos.
Penso que existem já demasiados conselhos para jovens empreendedores baseados apenas na crença, no acreditar, no esforço pessoal e na motivação. Tudo isso é necessário e saudável, mas não necessariamente suficiente para vencer, e mesmo que o seja, não é seguramente o caminho mais curto.
Penso que devíamos valorizar mais o discurso de quem consegue ser empreendedor sem trabalhar sempre 24 horas por dia, sem prejudicar necessariamente a família e sem ter de passar por sacrifícios pessoais. Hoje em dia são conhecidas múltiplas disciplinas da Gestão como a Estratégia que permitem estabelecer um fio condutor à existência de toda a organização e dar-lhe significado. Penso que uma estratégia bem pensada, bem desenhada e bem executada permitem vencer pelo trabalho e não necessariamente pelo sangue e suor.
Não me julgo habilitado para dar conselhos ou sequer penso estar na posse de segredos que levam ao sucesso garantido, mas uma coisa que sempre me ajudou perante qualquer nova ideia foi procurar resposta às perguntas “Isto resolve uma necessidade real de alguém?”, “Estou a conceber algo que é melhor ou mais barato do que o que já existe?”.